A expressão “Rito de York”, usada em muitos países para se referir aos trabalhos ritualísticos maçônicos na linha britânica, é de uso corrente no Brasil desde o surgimento da própria maçonaria no país. Certamente uma das mais antigas referências no Brasil ao Rito de York, como sendo um rito de práticas inglesas, pode ser encontrada no periódico maçônico “O Sete D’Abril”, publicado no Rio de Janeiro, edição de 7 de julho de 1835. O artigo intitulado “Maçoneria-Montezuma” apresenta um texto crítico às “caixas de mutuo socorro” (sic). Neste texto há a seguinte citação, em destaque na figura abaixo:
“Em Inglaterra, debaixo do Rito de York, temos outro exemplo (…)”. Temos, portanto, que pelo menos desde 1835 era de uso corrente denominar no Brasil de “Rito de York” aos trabalhos do craft inglês.
Os maçons ingleses vêm participando da história da maçonaria brasileira desde sua fundação. A Loja Commercio e Artes na Idade D’Ouro que fundou o Grande Oriente do Brasil (na época denominado Grande Oriente Brasilico, Brasiliano ou ainda Brasiliense) tinha entre os seus membros um maçom inglês, o Ir. Joseph Ewbank, iniciado em Londres em 1810 na Old King’s Arms Lodge, Nº 28. O Grande Oriente Brasílico fundado em 17 de junho de 1822 foi fechado por ordem de Dom Pedro I (que era seu Grão-Mestre) em 21 de outubro do mesmo ano, vindo a retomar seus trabalhos em 1831 com seu título atual e definitivo, “Grande Oriente do Brasil”.
Em novembro de 1833 sete maçons ingleses peticionaram à Grande Loja Unida da Inglaterra uma Carta Constitutiva para a Orphan Lodge (Loja Órfã). Esta Loja recebeu sua Carta Constitutiva da GLUI datada de 17 de dezembro de 1834 com o número 616. Quatro anos após esta loja contava com 40 membros. Duas outras Lojas foram criadas nestas condições, como sejam, a St. John’s Lodge 703 (Loja São João), também no Rio de Janeiro em 21 de setembro de 1839 e a Southern Cross Lodge 970 (Loja Cruzeiro do Sul) em Recife em 15 de junho de 1856. A história destas três Lojas não foi longeva, mas marcaram oficialmente o contato do Brasil com o Sistema Ritualístico Inglês. Em 4 de junho de 1862 as duas primeiras lojas tiveram seus registros cancelados junto à Grande Loja Unida da Inglaterra, e a terceira em 6 de junho de 1894″. Segundo PLINIO VIRGILIO GENZ no seu livro ‘A Maçonaria Inglesa no Brasil’, tentativas posteriores de novas Cartas Constitutivas foram negadas pela GLUI, que em 1865, respondendo a uma consulta sobre uma Carta para uma Loja a ser formada no Rio, escreveu: “É regra estabelecida pelo Grão-Mestre da Inglaterra de nunca conceder uma Carta Constitutiva para uma Loja reunir-se em um país onde esteja operando uma Grande Loja distinta. Esse é o caso do Rio de Janeiro, que creio estar sob a jurisdição do Grande Oriente do Brasil.” O reconhecimento oficial do Grande Oriente do Brasil por parte da Grande Loja Unida da Inglaterra se daria em 1880.
O Grande Oriente do Brasil, a exemplo de outras Potências Maçônicas especialmente no continente Europeu e na América Latina, possui mais de um sistema litúrgico na prática do que chamamos “simbolismo”, coisa que não ocorre na Inglaterra, Irlanda e Escócia. Deste modo foi necessário nominar o trabalho ritualístico inspirado no Craft inglês como “Rito” no GOB, e isto aconteceu oficialmente em 1912 na administração do Soberano Irmão Lauro Sodré, Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil naquela ocasião. No GOB o Craft inglês sempre foi denominado “Rito de York”. Este Comitê julga saudável relatar alguns fatos históricos que estabeleceram esta decisão, como segue.
Naquela época o Grande Oriente do Brasil era uma “potência mista”, na administração e gestão dos graus simbólicos e filosóficos. O Grão-Mestre Geral era seu Soberano em todos os corpos, de todos os Ritos praticados no Grande Oriente do Brasil, podendo delegar a outros Irmãos a direção destas estruturas. Para existir um Rito no Brasil era necessária a correlata existência de um “Corpo Filosófico de Graus Superiores”, nos moldes dos Ritos Escocês Antigo e Aceito, Moderno e Adonhiramita, existentes no GOB desde sua fundação. Em países como Inglaterra, EUA, Escócia e Irlanda este modelo de gestão única dos Graus Simbólicos e Filosóficos não existe e nunca existiu, destacando que, para a GLUI desde 1929 a separação da autoridade sobre os Graus Simbólicos é uma das cláusulas para o reconhecimento de uma Potência Maçônica. No Grande Oriente do Brasil tal separação aconteceu efetivamente a partir da década de 1950. No entanto, a denominação de “Rito” para os Graus Simbólicos permaneceu, embora, na sua origem, representasse a estrutura dos Altos Graus.
No documento assinado pelo Soberano Irmão Lauro Sodré consta textualmente (reproduzido abaixo um trecho do documento, redigido em português atual):
“Esse Grande Capítulo será autoridade suprema, em matéria litúrgica, para todas as Lojas do Rito de York atualmente existentes no Brasil e para aquelas que no futuro forem criadas.
D’ora em diante todas as Lojas do Rito de York, que se fundarem no Brasil, só poderão funcionar com autorização do Grande Capítulo e as suas patentes (cartas) serão por ele expedidas e assinadas pela administração do Grande Oriente do Brasil, nos termos da Constituição e leis deste Grande Oriente. O Grande Capítulo se comporá de 33 membros efetivos, dos quais 28 serão eleitos dentre os maçons pertencentes às Oficinas do Rito e 5 serão o GrãoMestre do Grande Oriente do Brasil, o Grão-Mestre Adjunto, o Grande Secretário Geral da Ordem, o Grande Tesoureiro e o Grande Chanceler, que terão voto em todas as deliberações tomadas pelo Capítulo.
O Grande Capítulo terá direito de confeccionar o seu regulamento particular que só entrará em vigor depois de aprovado pelo Conselho Geral da Ordem, devendo toda e qualquer alteração nele introduzida ser submetida à aprovação do referido Conselho.
O referido regulamente será obrigatório para todas as Lojas do Rito de York existentes no Brasil e não poderá contrariar disposição alguma da Constituição e Regulamento Geral do Grande Oriente do Brasil, modelandose, no entretanto, pelos princípios Litúrgicos que regem a Grande Loja Unida da Inglaterra.”
E segue com outras considerações. Uma reprodução integral deste documento está no capítulo seguinte do presente Ritual – “Cópia do Tratado de 1912: A Certidão de Nascimento do Rito de York no GOB”. A criação deste “Grande Capítulo” ocorreu para atender as exigências Constitucionais para a implantação de um novo trabalho litúrgico dentro da estrutura do GOB naquela época. Destacamos que este episódio foi único e inédito nas histórias do GOB e da GLUI, pois através do GOB maçons ingleses fundaram Lojas inglesas no Brasil, sob nossa jurisdição e com assentimento e aprovação da GLUI, o que estreitou os laços de amizade entre estas duas obediências. O nome “Rito de York” é uma lembrança constante desta amizade.
O Sagrado Arco Real (Holy Royal Arch) é considerado como uma extensão do simbolismo pela GLUI e isto foi consolidado por intermédio do Tratado de União (Act of Union) em 1813, onde se declara neste documento que “A mais Antiga e Pura Maçonaria é constituída única e exclusivamente de três Graus, a saber: Aprendiz, Companheiro, Mestre incluindo a Ordem do Sagrado Arco Real.” Os membros do Sagrado Arco Real são chamados de “Companheiros” e se reúnem em células chamadas de “Capítulos”, o que possivelmente inspirou os maçons ingleses chamarem de “Grande Capítulo” o corpo superior que coordenou as lojas do Rito de York. É importante salientar que este ‘Grande Capítulo do Rito de York’ nunca administrou ou implantou o Sagrado Arco Real, restringindo-se exclusivamente aos Procedimentos dos três graus simbólicos e para a Cerimônia de Instalação na Cadeira, e para isto foi fundado. Há quem diga que houve uma “confusão” em adotar o nome “Rito de York”, pois existe um sistema nos EUA com o nome “York Rite“, composto de dez graus. Só nos resta dizer que há uma coincidência de nomes – e nada além disso.
Nos EUA, os Graus que chamamos de “Simbólicos” no Brasil, assim como na Inglaterra, não têm uma designação. Lá o Simbolismo é designado como “Blue Lodge“, ou ainda “Craft“. Cada estado dos EUA tem uma Grande Loja independente e autônoma, e cada uma delas tem sua Constituição, Jurisdição e Rituais dos três Graus Simbólicos, os quais não levam o nome de “York Rite” e nenhum outro nome exceto a designação de Blue Lodge ou Craft. Nos EUA existe outro sistema progressivo de Graus denominado “Antient and Accepted Scottish Rite“, composto de trinta graus, que também se inicia após o Grau de Mestre Maçom, denominado “Perfect Master“. Qualquer semelhança com o nome “Rito Escocês Antigo e Aceito” não é mera coincidência. É o primeiro Supremo Grande Conselho do mundo, in totum semelhante ao que conhecemos no Brasil como “Graus Filosóficos do REAA” com idêntico nome. Pois se nenhum maçom brasileiro “confunde” o “Antient and Accepted Scottish Rite“, isto é, o REAA dos EUA com os graus simbólicos do Brasil, por qual motivo confundiria o “York Rite” com nosso Ritual simbólico? Com o presente texto a intenção deste Comitê é de fomentar a verdade e defender a escolha do nome que foi definido em 21 de dezembro de 1912.
O tratado de 1912 teve vários condões. Atendeu o anseio dos maçons ingleses em praticar um Ritual com os quais estavam habituados a trabalhar – antes disso não havia autorização explícita, e as três primeiras Lojas citadas no primeiro parágrafo deste capítulo não mais existiam. Alguns maçons brasileiros – poucos, é fato – se interessaram nesta prática litúrgica, e por muitos anos o Rito de York teve um crescimento pouco significativo, e somente a partir de 2003, com o surgimento das Ordens Laterais inglesas no Brasil sob jurisdição brasileira, que maçons brasileiros demonstraram interesse em praticar o Rito de York. De poucas dezenas de Lojas passamos a ter no Brasil mais de uma centena. O Craft inglês pratica as cerimônias dos três Graus que foram aprovadas em 1816 pela GLUI. A partir destas cerimônias aprovadas passaram a existir diversos rituais com práticas extremamente semelhantes e com pequenas variações de palavras e gestual ritualísticos. Dentre elas destacamos o Ritual da Emulation Lodge of Improvement for Master Masons – ELoI – que hoje é a referência para os trabalhos litúrgicos descritos neste Ritual. Lembrando que os primeiros Rituais traduzidos para o português foram feitos a partir do Perfect Ceremonies, que é uma versão não oficial do Ritual da ELoI, que chancelou a publicação de um ritual com a sua prática somente em 1969.
O Rito que praticamos no GOB é inspirado no Emulation Ritual, adequando-o à Constituição do GOB. No Brasil, dada a multiplicidade de ritos que praticamos, foi necessário adotar um nome, e a convenção ocorreu em 1912 com o nome “Rito de York”. Convenção não se discute, se acata. Não podemos mudar fatos históricos que originaram esta convenção que validou uma antiga tradição.
Crédito: Comitê de elaboração do novo Ritual do Rito de York para o GOB, versão de 30/08/2020.